XIII Crônica: Um bom rapaz.

Enrico Augusto acordou tarde naquela segunda feira de maio. Sentia dor de cabeça e tontura, além de certo enjoo. Aguentou até onde podia e depois vomitou dentro do vaso do seu banheiro. Ainda estava com a roupa do dia anterior e cheirando a álcool. Tirou-a e jogou num canto qualquer. Colocou o chuveiro no modo “inverno” e tomou seu banho de água morna. Ficou alguns minutos depois em frente ao espelho ajeitando o cabelo. Pegou um dos vários desodorantes espalhados perto da pia e usou, deixando ali mesmo depois.

 

Pegou seu relógio que usara ontem e viu que horas ele marcava. O rolex apontou quase dez horas. Ele tinha aula às nove na universidade, mas julgou muito tarde para ir pegar a aula das onze. “Eu pago essa porra mesmo”, pensou enquanto caminhava pelo quarto, catando alguma roupa. Pegou uma bermuda e uma blusa. Viu que o cômodo estava totalmente bagunçado. Retirou-se e começou a descer as escadas rumo à cozinha.

 

No corredor encontrou a empregada doméstica.

 

– Ô, Juçara, arruma lá o quarto rapidinho, pode ser? – falou ele.

 

A moça apenas assentiu, já segurando uma pilha de roupas em suas mãos. Deu passagem para ele e seguiu para seu destino.

 

Enrico Augusto chegou à cozinha e viu sua mesa posta. Pegou o celular e começou a comer com ele na mão. Viu o seu aplicativo de mensagens e havia muitas. Foi direto para um grupo de amigos da universidade e amigos deles. Mandaram um vídeo de uma garota lá. Devia ter a idade dele, uns dezenove anos. O vídeo mostrava ela deitada no chão de algum local agitado, como um apartamento em festa. Usava saia curta, mas sua blusa estava abaixada, mostrando seus peitos. E depois mostrava um rapaz, também de idade parecida, apalpando-os. Ao fundo, risadas. O câmera trocou de lugar com um outro jovem para poder “tirar uma casquinha”, como ele mesmo afirmou.

 

Enrico Augusto comentou no grupo:

 

– Caralho, manos, pensa numa mina que se fodeu! – e depois risadas digitais.

 

Um dos amigos dele comentou que ela parecia estar drogada, que não reagia a nada. Enrico disse, confirmando a fala de um outro no grupo:

 

– Ah, mano, ela deve ter enchido a cara, tá ligado? Não sabe beber, fica em casa! E, porra, lembra do ditado lá? “Cu de bêbado não tem dono”!

 

Eles riram bastante no grupo e depois Enrico foi olhar o Facebook. Marcações de festas que estavam por vir, um ou outro pedido de amizade, comentários genéricos em fotos suas. Começou a olhar o feed e viu uma imagem compartilhada por uma garota que estudou com ele na escola. Era sobre uma passeata que iria ocorrer naquele dia mesmo, no Centro, perto da Cinelândia. O principal tema, segundo a postagem, era “igualdade de gênero”. Ele zombou e disse consigo mesmo:

 

– Bando de feminazi.

 

Terminou brevemente seu café e logo se aprontou para ir à academia. Pegou algumas coisas no quarto, como seu relógio novo, que o pai trouxe da Suíça, e seus tênis Nike. Catou as chaves do seu carro e saiu. Entrou no veículo, deu partida e foi para a academia. Três quadras depois, duas antes da academia, viu um casal de homens andando de mãos dadas na rua. Pensou consigo mesmo “aberrações”. Depois, já na frente do local, mas ainda no carro, viu um vídeo que enviaram no mesmo grupo de antes. Era de duas garotas se beijando e dançando sensualmente numa festa qualquer. Enrico comentou:

 

– Nossa, comia as duas ao mesmo tempo!

 

Depois entrou para fazer seus exercícios. Antes do primeiro aparelho, viu uma mensagem da sua namorada dizendo “amor, precisamos conversar…” e deu de ombros. Fez suas séries e já sentia os músculos inchados. Pegou o celular, forçou os braços, e tirou uma foto sua em frente ao espelho no aplicativo Snapchat. Como legenda colocou “aos trabalhos” e enviou para seus contatos femininos.

 

Encontrou um amigo seu ali malhando. Começaram a conversar sobre qualquer coisa. Até que viram um conhecido seu malhando ao fundo. Fazia agachamentos e por isso os dois riam entre si. “Acho que o macho dele que pediu, hein?” disse o amigo de Enrico. Riram ainda mais. Pela TV que estava ali perto deles, viram uma notícia sobre um caso de violência com cunho homofóbico. Enrico começou a falar:

 

– Olha, vou te contar uma coisa, agora tudo é isso! Toda hora tem notícia de porrada em gay. E as outras notícias? Não são importantes?

 

Seu amigo concordou e disse:

 

– É, mano, tudo é frescura hoje em dia também. Tipo, não tenho nada contra gay, tá ligado? Cada um faz o que quiser com seu cu. Agora, essa merda de fazer eles parecerem coitadinhos, vítimas e tudo mais, porra, que saco.

 

– Não é mesmo? – continuou Enrico – Te juro, mano, dá raiva disso. Como se só eles sofressem, saca? Parece que esses putos são mais importantes que a gente, que merecem proteção e respeito. Porra, e a gente não?

 

Depois de algumas horas eles saíram da academia. Disse ao amigo que lhe daria uma carona até sua casa. Na rua, passaram pelo Centro, e a tal passeata que Enrico Augusto vira mais cedo já havia começado. Em sua maioria composta de mulheres, mas também havia alguns poucos homens. Grande parte, senão todos, segurando cartazes com temas do tipo “pró igualdade de gênero”, “menos preconceito” e “mais diálogo”. Enrico Augusto disse ao amigo:

 

– Sabe o que é isso aí? Falta de rôla!

 

– É, mano! – disse o amigo, rindo alto dentro do carro – Mas sabe, bem que eu podia ajudar elas com isso, né? Só pelo tamanho aqui do rapaz – e apontou para a região entre as pernas.

 

Riram novamente até um pouco antes da casa do amigo de Enrico Augusto. Despediram-se e o rapaz com o carro foi embora. Estava vendo as fotos que as amigas de rede social haviam lhe enviado como resposta à sua foto na academia quando a namorada ligou. Atendeu, mesmo à contra gosto, com uma mão ao volante e a outra segurando o celular. Ela falou “amor, hoje vou ao aniversário do Victor, ok?”. Ele respondeu:

 

– Quem é esse?

 

– Ah, é aquele amigo que comentei com você. – ela respondeu – Nós nos conhecemos há muito, desde os tempos de escola. Ele está morando fora do Rio, e veio passar uns dias aqui.

 

– Não lembro desse cara, não. Enfim, que horas eu passo pra te pegar?

 

– Amor, não precisa…

 

– Eu não vou te deixar até tarde num lugar onde só deve ter homem, Cláudia! Onde já se viu? Meia noite, certo?

 

– Enrico, de verdade, estaremos entre amigos só.

 

– Cláudia, já te falei que homem não tem amiga. A única amiga de um homem é a namorada dele, e ponto. O resto é só pra pegar. Então já combinamos, ok? Meia noite passo pra te buscar. Manda o endereço por mensagem depois. Preciso ir, tô no trânsito agora.

 

– Tudo bem, amor…beijo.

 

– Beijo, amorzão.

 

Eles desligaram. Enrico Augusto então voltou a olhar as fotos das amigas pelo Snapchat.

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